Q&A: Eliane Kreisler, especialista em longevidade, fala sobre a discriminação de idade no trabalho

Eliane Kreisler discute maneiras menos óbvias de o preconceito de idade se manifestar nos locais de trabalho e como as empresas podem combatê-lo, entre outras coisas.
Photo to accompany interview with Eliane Kreisler, a workplace longeivity expert based in Brazil.
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Tivemos o prazer de conversar com Eliane Kreisler, especialista em longevidade, sobre inclusão no local de trabalho e como combater o preconceito de idade em ambientes profissionais.

Fotografia de Eliane Kreisler para artigo sobre discriminação em função da idade
Eliane Kreisler, especialista em longevidade

Eliane Kreisler é uma profissional de RH com mais de 35 anos de experiência de trabalho e de consultoria em grandes empresas, abrangendo os processos de gestão do desempenho, gestão do conhecimento, desenvolvimento e formação.

É pós-graduada em gestão de pessoas; autora de publicações sobre longevidade, diversidade etária e inclusão no trabalho; e sócia-fundadora da EK Consultoria Gestão e Carreiras, consultoria focada na inclusão etária no trabalho e na transição de carreira após os 50 anos.

É também co-fundadora do canal do YouTube LongeTalks, dedicado à longevidade no local de trabalho.

Aqui vai nossa conversa:

1) Em sua experiência, a partir de que idade os profissionais começam a sofrer discriminação por serem mais velhos?

A discriminação, também conhecida como etarismo, idadismo ou ageísmo, afeta os profissionais mais velhos em diferentes momentos de suas carreiras. Ela pode começar a surgir em torno dos 45 anos, dependendo da indústria e normas sociais.

Em algumas áreas, profissionais mais experientes podem enfrentar desafios na contratação ou promoção, devido a percepções estereotipadas de que eles sejam menos adaptáveis às mudanças ou menos dispostos a aprender novas tecnologias.

Por outro lado, em algumas profissões há uma valorização às habilidades de profissionais mais velhos. Em alguns setores, como o empreendedorismo, indivíduos mais maduros podem encontrar oportunidades devido a sua vasta experiência e conhecimento.

2) Além das demonstrações claras de discriminação etária por meio de comentários relacionados à idade, como a discriminação por idade aparece no local de trabalho, de formas que às vezes podem passar despercebidas?

A discriminação etária muitas vezes se manifesta de maneiras sutis e por vezes não é tão evidente como comentários diretos relacionados à idade. Algumas formas que podem passar despercebidas incluem:

  • Profissionais serem excluídos de oportunidades de emprego, contratação ou mesmo promoções com base em estereótipos relacionados à idade, mesmo que possuam as habilidades e as experiências necessárias.
  • Funcionários mais jovens receberem mais oportunidades de desenvolvimento e treinamento, levando a uma desigualdade de habilidades e de crescimento.
  • Assédio ou comentários sutis depreciativos sobre a idade, criando um ambiente de trabalho hostil.
  • Profissionais mais velhos serem excluídos de projetos importantes ou estratégicos, partindo de premissas de que não se adaptarão ou não serão tão produtivos quanto os mais jovens.
  • A suposição de que profissionais mais velhos não estão tão atualizados com a tecnologia pode levar a restrições no acesso a novos sistemas e ferramentas.

3) Você acha que a discriminação por idade recebe tanta atenção quanto outras formas de preconceito no local de trabalho e, se não, por que não?

A discriminação por idade nem sempre recebe tanta atenção quanto outras formas de preconceito no local de trabalho.

Culturalmente, o Brasil sempre foi considerado um país jovem. A pirâmide etária começou a se inverter nas últimas décadas, e atualmente vem se acelerando, devido a baixa natalidade e a expectativa de vida aumentando e com qualidade. Vivemos mais e melhor.

Segundo pesquisas, em 2050, a população idosa representará cerca de 30% da população brasileira.

No mercado corporativo, essa discriminação, muitas vezes velada, aparece no desconhecimento sobre o processo de envelhecimento. Criamos estigmas que prejudicam a realidade e o cenário hoje é bem diferente. Os profissionais acima de 50 anos, no geral, se mantêm atualizados e sua capacidade e experiência agregam muito aos projetos.

4) De que maneira o preconceito de idade se cruza com outras formas de discriminação e, em sua experiência, os profissionais mais velhos são mais propensos a enfrentar outras formas de discriminação?

Alguns exemplos de pontos de interseção são:

Gênero e idade: As mulheres mais velhas podem enfrentar discriminação baseada em idade e gênero, também conhecida como “ageísmo de gênero”. Elas podem ser submetidas a estereótipos, como sendo menos produtivas ou menos capazes de se adaptar às mudanças tecnológicas.

Raça e idade: Profissionais mais velhos pertencentes a minorias raciais podem enfrentar uma carga adicional de discriminação. Eles podem ser afetados por estereótipos relacionados à idade, raça ou etnia, o que pode prejudicar suas oportunidades de emprego e avanço na carreira.

Habilidades digitais e idade: Profissionais mais velhos podem enfrentar desafios ao competir no mercado de trabalho devido a estereótipos sobre suas habilidades digitais em comparação com os mais jovens.

5) Quais são alguns dos maiores desafios enfrentados pelos profissionais mais velhos no networking e na transição de carreira?

Alguns dos maiores desafios incluem:

  • Ao fazer networking, profissionais mais velhos podem se deparar com uma mudança na dinâmica social, especialmente em setores onde a idade média é mais jovem. Isso pode levar a dificuldades na identificação de interesses em comum e à formação de conexões significativas.
  • Alguns potenciais contatos podem ter estereótipos negativos em relação a profissionais mais velhos. Isso pode afetar a disposição de algumas pessoas em se conectar com eles.
  • Quando em transição de carreira, profissionais mais velhos podem se deparar com redes profissionais já estabelecidas que são dominadas por colegas mais jovens. Entrar nessas redes pode ser um desafio e requer esforço extra para construir relacionamentos sólidos.

Para superar esses desafios, é importante que profissionais mais velhos adotem abordagens estratégicas no networking e na transição de carreira. Isso pode envolver participar de eventos no seu campo de interesse, destacar suas habilidades e experiência de forma proativa em suas interações, investir no desenvolvimento de habilidades tecnológicas, procurar mentores ou grupos de apoio, focar em empresas que valorizem uma cultura inclusiva.

6) Quais estruturas legais ou políticas estão em vigor para lidar com o preconceito de idade no local de trabalho no Brasil e qual tem sido sua eficácia? O que mais deve ser feito nesse sentido?

No Brasil, a principal legislação que aborda esse tema é a Constituição Federal de 1988, que proíbe a discriminação por idade, bem como a Lei nº 9.029/95, que proíbe a exigência de idade, por parte do empregador, em anúncios de emprego ou no processo de seleção.

Além disso, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) estabelece que é proibido discriminar o trabalhador em virtude de sua idade, assegurando a igualdade de oportunidades em todas as etapas de trabalho.

Apesar dessas estruturas legais, a eficácia no combate ao preconceito pode ser desafiadora. A discriminação velada dificulta a comprovação e aplicação das leis. Além disso, ainda existem desafios culturais e estereótipos enraizados.

Para melhorar o combate à discriminação etária devemos considerar algumas ações:

  • Promover campanhas de conscientização e educação sobre a importância da diversidade etária no ambiente de trabalho.
  • Adotar políticas inclusivas que valorizem a experiência e habilidades dos profissionais mais velhos.
  • Proporcionar treinamentos em diversidade, a fim de sensibilizar equipes e promover um ambiente de trabalho inclusivo.
  • Estimular a troca de experiências e conhecimentos entre diferentes faixas etárias, valorizando a aprendizagem mútua, através de programas de mentorias reversas e intergeracionais.

7) Em sua experiência, o aumento do trabalho remoto observado nos últimos anos teve um efeito positivo ou negativo sobre o preconceito de idade nos locais de trabalho?

Efeitos positivos:

  • O trabalho remoto pode nivelar o campo de atuação, tornando menos evidente as diferenças de idade e permitindo que os profissionais sejam avaliados com base em sua produtividade e resultados, independentemente de sua idade.
  • Pode oferecer mais flexibilidade para profissionais mais velhos que tenham preferência por horários e formas de trabalhar diferentes.
  • Pode criar um ambiente mais inclusivo, especialmente para profissionais mais velhos que podem ter dificuldades com deslocamentos diários ou enfrentar barreiras físicas.

Pontos de atenção:

  • O trabalho remoto pode criar desafios para profissionais mais velhos que não estão tão familiarizados com tecnologia, reduzindo suas oportunidades de participar de determinadas funções.
  • O trabalho remoto pode levar a um maior isolamento social, criando um aumento nas questões de saúde mental no ambiente de trabalho.

8) Que estratégias e iniciativas você observou que promovem efetivamente a inclusão da idade no local de trabalho?

  • Empresas que adotam políticas formais de diversidade e inclusão, que incluem a valorização da experiência e habilidades dos profissionais mais velhos.
  • Proporcionar treinamentos em sensibilização para todos os empregados, abordando questões de preconceito de idade e destacando a importância da valorização da diversidade etária.
  • Programas de mentorias intergeracionais e reversas que proporcionem a troca de experiências e conhecimentos entre profissionais de diferentes faixas etárias.
  • Valorização e reconhecimento das contribuições e conquistas dos profissionais mais velhos ajudam a quebrar estereótipos negativos e a promover uma cultura que valoriza a diversidade etária.

É importante que essas iniciativas sejam implementadas de forma consistente e sustentável, acompanhadas de políticas de acompanhamento e avaliação para garantir que sejam efetivamente incorporadas à cultura da empresa.

9) Como as organizações podem criar uma cultura que valorize as contribuições dos profissionais mais velhos e garanta que eles tenham oportunidades iguais de crescimento?

Algumas estratégias efetivas incluem:

  • Liderança inclusiva: Os líderes da organização devem demonstrar um compromisso genuíno com a diversidade etária em todos os níveis da empresa.
  • Políticas de diversidade e inclusão: Estabelecer políticas formais que enfatizem a importância da diversidade etária no local de trabalho e incentivem a valorização dos profissionais mais velhos.
  • Treinamento em sensibilização: Oferecer treinamentos regulares abordando temas de preconceito de idade e promovendo a conscientização sobre a importância da inclusão.
  • Participação e envolvimento: Incentivar a participação ativa dos profissionais mais velhos em projetos e decisões importantes da empresa, garantindo que suas vozes sejam ouvidas e valorizadas.

Isso não apenas beneficia os profissionais mais velhos, mas também contribui para um ambiente de trabalho mais enriquecedor e inovador, onde as habilidades e conhecimentos de todas as faixas etárias são valorizados e aproveitados em prol do sucesso coletivo.

10) Quais são as soluções mais comuns que você promove às organizações para ajudá-las a superar o potencial de discriminação por idade no local de trabalho? Quais medidas essenciais você vê com mais frequência não sendo implementadas?

  • Análise e transformação da cultural organizacional, adequando ao novo cenário. Ressalto aqui a importância da mudança de mindset ser introjetada nas principais lideranças, principalmente o CEO.
  • As organizações devem desenvolver políticas formais que enfatizem o respeito à diversidade etária, promovendo a inclusão de profissionais de todas as idades. Ter programas consistentes e sustentáveis que visem a interseccionalidade nas diferentes diversidades.
  • Proporcionar treinamentos regulares aos empregados.
  • Promover a formação de equipes multigeracionais e intergeracionais, em que profissionais de diferentes faixas etárias trabalhem juntos.

No entanto, temos medidas que são difíceis de implementar:

  • Organizações não estarem plenamente conscientes do impacto do preconceito de idade e, portanto, não consideram a necessidade de políticas e treinamentos específicos para combater essa discriminação.
  • Algumas organizações ainda estão relutantes em mudar suas práticas de recrutamento e políticas de aposentadoria, devido a uma resistência a mudanças.
  • Preconceitos inconscientes sobre a idade podem influenciar as decisões de contratação, promoção e desenvolvimento de carreira, mesmo que não sejam intencionais.

Superar esses desafios requer um compromisso genuíno das organizações em valorizar a diversidade etária e implementar medidas concretas para combater a discriminação por idade. A conscientização, a sensibilização e a liderança comprometida são essenciais para criar ambientes de trabalho inclusivos, onde todos os profissionais possam prosperar e contribuir com suas habilidades e experiências, independentemente de sua idade.

Eliane Kreisler é uma especialista em longevidade no local de trabalho sediada em São Paulo, Brasil. Ela estava a falar com Rafael Sens.

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